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Consulta Informativa

- Impacto ambiental relevante na bacia do rio Doce

Erosão, o inimigo silencioso do rio Doce...

Uns dos principais impactos ambientais identificados na bacia do rio Doce é a degradação de seus cursos d’água. O desmatamento indiscriminado e o manejo inadequado do solo criaram condições favoráveis à formação do processo erosivo, que somado aos efluentes advindos da mineração e de resíduos industriais e domésticos, dão contínuo processo de assoreamento dos leitos dos cursos de águas da bacia, além da qualidade marginal da água em vários trechos.

O primeiro ciclo econômico da região do rio Doce é uma conseqüência direta de sua dotação de recursos naturais e consistiu na exploração do ouro no Século XVIII. Durante a maior parte desse século a mineração foi a atividade econômica mais importante do Brasil, e a região de mineração do vale do rio Doce e seu núcleo de maior destaque, abrangendo Ouro Preto, Mariana, Barra Longa, Guaraciaba, Nova Era, Rio Piracicaba, Itabira, Antônio Dias e alguns núcleos urbanos mais distantes, como Peçanha.

Nas bacias do ribeirão do Carmo (municípios de Ouro Preto e Mariana) e do rio Piracicaba (municípios de Itabira, Nova Era e Cel. Fabriciano) localizadas no “Quadrilátero Ferrífero” concentram-se os maiores impactos ambientais devido as áreas de mineração e siderurgia, apresentando elevadas demandas de água e alto potencial poluidor inorgânico que ocasionam o assoreamento dos cursos d’água e produzem sérios impactos ao ecossistema aquático.

A seguir, são apresentados alguns exemplos de impactos ambientais ocorridos nas regiões do Alto (ribeirão do Carmo), Médio (região de Governador Valadares) e Baixo Rio Doce (próximo a divisa de Minas Gerias com Espírito Santo).

Na bacia do Alto Ribeirão do Carmo as atividades extrativas mineiras, fator primordial para a ocupação da região, geram impactos cumulativos e sinérgicos de grande amplitude. Dentre as principais alterações ambientais destacam-se os desmatamentos, erosão, contaminação dos corpos de água, alterações da paisagem, do solo, da fauna, da flora, geração de rejeitos, dentre outros.

As Figuras 1 a 4 ilustram ações de garimpeiros nos rejeitos gerados no século XVIII, com granulometria variada, no leito do ribeirão do Carmo à montante da cidade de Mariana. Já as Figuras 5 a 8 apresentam uma seqüência de impactos ambientais gerados no processo de instalação de um garimpo no ribeirão do Carmo à jusante de Mariana. O método utilizado para instalação do garimpo constou do desvio do ribeirão do Carmo por barragens e canais laterais seguidas de escavação e pesca do cascalho no leito natural do ribeirão.

Vale destacar que essas figuras fazem parte de um relatório de visita técnica realizada em 23/09/2000 pela equipe do programa HIDROTEC, atendendo solicitação da prefeitura municipal de Mariana, cujo objetivo foi o de propor alternativas para o problema de enchentes na área urbana e rural daquele município.


Figuras 1  – Leito do ribeirão do Carmo  alterado continuamente pela ação de garimpeiros Figuras 2  – Leito do ribeirão do Carmo  alterado continuamente pela ação de garimpeiros
Figuras 1 e 2 – Leito do ribeirão do Carmo alterado continuamente pela ação de garimpeiros, acarretando alterações indesejáveis em seu perfil de equilíbrio.

Figuras 3 – Erosão nas encostas e assoreamento da calha principal do ribeirão do Carmo. Figuras 4 – Erosão nas encostas e assoreamento da calha principal do ribeirão do Carmo.
Figuras 3 e 4 – Erosão nas encostas e assoreamento da calha principal do ribeirão do Carmo.


Figura 5- Barramento à montante do ribeirão do Carmo e inicio do desvio do ribeirão para a encosta... Figura 6- Trecho do ribeirão do Carmo em um canal lateral com declividade acentuada e redução de aproximadamente um terço de sua seção natural.
Figura 5- Barramento à montante do ribeirão do Carmo e inicio do desvio do ribeirão para a encosta...
Figura 6- Trecho do ribeirão do Carmo em um canal lateral com declividade acentuada e redução de aproximadamente um terço de sua seção natural.
Figura 7 – Lago conseqüente do barramento no antigo leito do ribeirão do Carmo. Figura 8- Moto-bombas utilizadas no recalque da água objetivando permitir a extração aurífera, através dos cascalhos existentes nas cavidades/crateras escavadas no leito natural do ribeirão.
Figura 7 – Lago conseqüente do barramento no antigo leito do ribeirão do Carmo.
Figura 8- Moto-bombas utilizadas no recalque da água objetivando permitir a extração aurífera, através dos cascalhos existentes nas cavidades/crateras escavadas no leito natural do ribeirão.
Figuras 5 a 8 – Vistas do método utilizado para instalação e operação de atividades de garimpo no ribeirão do Carmo à jusante da cidade de Mariana.

Como exemplo de impacto ambiental causado pelos processos erosivos do solo  que ocorrem na bacia do ribeirão do Carmo, cita-se o assoreamento do leito do referido ribeirão à montante da PCH Furquim. Localizada no distrito de Furquim, município de Mariana, a usina, com aproveitamento hidrelétrico a fio d'água tem capacidade instalada de 6 MW. Foi construida em 2003, pela empresa Novelis, com a finalidade de gerar energia elétrica para a Alumínio do Brasil Ltda (Figuras 9 a 12). Devido ao assoreamento acentuado e objetivando a garantia de níveis mínimos de água para atender a estrutura da captação instalada, a referida usina passa por constantes dragagens, como essa apresentada na Figura 12


Figuras 9 e 10 - Vistas da barragem de nível da PCH Furquim  no ribeirão do Carmo Figuras 9 e 10 - Vistas da barragem de nível da PCH Furquim  no ribeirão do Carmo
Figuras 9 e 10 - Vistas da barragem de nível da PCH Furquim  no ribeirão do Carmo

Figuras 11 - Leito do ribeirão do Carmo assoreado, á montante do barramento. Figura 12 - Desassoreamento do leito do ribeirão do Carmo próximo ao barramento. Equipamento: Drag-line  com caçamba 1 e ¼ jardas cúbitas. Data: Fevereiro/2009
Figuras 11 - Leito do ribeirão do Carmo assoreado, à montante do barramento.
Figura 12 - Desassoreamento do leito do ribeirão do Carmo próximo ao barramento. Equipamento: Drag-line com caçamba 1 e ¼ jardas cúbitas. Data: Fevereiro/2009

 

No século XIX, com o advento da cultura cafeeira, assiste-se a uma transformação na evolução econômica. O café foi introduzido incorporando-se novas terras, mediante a devastação das matas e transformação destas em áreas de culturas. Paralelamente ao café  desenvolveram-se a cultura de açúcar e a exploração de madeira. A abertura de novas frentes agrícolas - as antigas matas foram transformadas em pastagens – e o desenvolvimento das industrias de madeira e mobiliário atraíram mão de obra, estabelecendo um intenso fluxo migratório responsável parcialmente pela ocupação da subárea  de Governador Valadares, que induziu o desenvolvimento de vários centros urbanos. Entre outros, destaca-se Governador Valadares.

A Figura 13 retrata o processo erosivo conseqüente de sulcos ou voçorocas, comum naquela região, em uma área de pastagem no município de Governador Valadares onde é notório a exposição do horizonte C. Dentre os fatores mais relevantes responsáveis pelo processo dessa forma de erosão, citam-se: a) implantação de pastagens em áreas de elevada declividade ou seja montanhosas, b) utilização do capim colonião que desenvolve em forma de touceira, não possibilitando uma boa cobertura do solo, c) utilização das queimadas anuais como forma de manejo das pastagens e d) excesso de cabeças de gado por hectare.

Na Figura 14 observa-se outro problema ambiental na bacia do Doce que é a ausência de matas ciliares que além de causar impactos morfológicos ao longo do rio (erosão de suas margens e/ou mudança na topografia do fundo do leito), interferindo diretamente na formação da biota aquática com reflexos na redução da população de peixes e no equilíbrio do ecossistema aquático, como um todo. De acordo com o IBio (2008) a bacia do rio Doce apresenta atualmente um déficit de matas ciliares de 100 mil hectares nos seus principais rios.


Figura 13 – Erosão com sulcos/voçorocas em área de pastagem degradada,  no município de Governador Valadares. Figura 14 – Curso d’água desprovido de  mata ciliar, assoreado e com mudança do leito natural...
Figura 13 – Erosão com sulcos/voçorocas em área de pastagem degradada, no município de Governador Valadares.
Figura 14 – Curso d’água desprovido de mata ciliar, assoreado e com mudança do leito natural...

O assoreamento dos cursos d’água como conseqüência dos significativos processos erosivos do solo que ocorrem na bacia do Doce, vem comprometendo a capacidade de armazenamento de água de vários reservatórios em operação na bacia. Segundo informações do CBH-Rio Doce (2008), na bacia do rio Santo Antônio as barragens das hidrelétricas estão, em alguns casos, com cerca de 60% da sua capacidade de armazenamento de água.

Segundo Coutinho et al. (2001), a Usina Hidrelétrica de Mascarenhas  localizada na região do Baixo Rio Doce, no Estado do Espírito Santo, município de Baixo Guandu, englobando 88% da área da bacia do Doce, iniciada em 1974 com operação a fio d'água e potência efetiva de 123 MW, encontra-se atualmente com capacidade de armazenamento comprometida pelo assoreamento, passando por constantes dragagens e operando em cotas acima das previstas no projeto original (Figuras 15 e 16).

De acordo com informações da ESCELSA (2008), a Usina Mascarenhas, com captação a fio d’água, foi repotenciada em 2000 passando a gerar 131 MW. Tecnicamente, considerando-se um determinado período, a quantidade de água afluente é, aproximadamente, a mesma efluente, pois o reservatório, praticamente, não dispõe de capacidade de armazenamento, além, daquela necessária para manter a coluna mínima (minimorum) de água que permita o funcionamento das turbinas, ou seja, o volume de água que entra no reservatório é, praticamente, igual ao volume que sai do reservatório. Poderão ocorrer oscilações diárias no nível de água em função do regime operacional, que prevê maiores volumes de geração nos horários de pico de demanda de energia ou, ainda nos períodos de estiagens.

Ressalta-se que a construção da UHE de Mascarenhas ocorreu no período em que, ainda, não eram exigidos estudos prévios de impactos ambientais (década de 70), a exemplo de EIA/RIMA, portanto, eram desconhecidos os possíveis efeitos da barragem na ictofauna do rio, além, dos impactos geomorfológicos e hidrológicos a jusante do barramento. No projeto de construção da UHE, também, não se fez referência aos estudos sedimentológicos, um dos maiores problemas da usina.


Figuras 15 – Vista geral da barragem da Usina Hidrelétrica Mascarenhas, no rio Doce. Figuras 16 – Vista geral da barragem da Usina Hidrelétrica Mascarenhas, no rio Doce.
Figuras 15 e 16 – Vista geral da barragem da Usina Hidrelétrica Mascarenhas, no rio Doce.

A Enchente de Dezembro de 2008 na Cidade de Ponte Nova- MG

Chuvas fortes e contínuas no centro sul do Estado marcaram o segundo decêndio de dezembro de 2008. Um episódio da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) manteve uma grande área na faixa central do Estado (do Triângulo Mineiro à Zona da Mata) sob chuva forte e contínua no período de 11 a 18 de dezembro. Em diversas localidades como Ponte Nova, Cataguases, Muriaé, Divinópolis, Formiga, Brumadinho, houve transbordamento de rios, com inundações e inúmeros desabrigados. A ZCAS intensificou-se a partir do dia 18, mas atuou sobre o Estado até o final do decêndio. Os totais acumulados de chuva ultrapassaram 300 mm na Zona da Mata e na área Central do Estado.

A enchente de dezembro de 2008 na cidade de Ponte Nova se caracterizou por apresentar grandes volumes escoados e altas velocidades das águas. Conforme pode-se observar no Vídeo 1, em 18/12/2008 e nas Figuras 17 e 18, o rio Piranga transbordou de forma violenta acarretando inúmeros prejuízos materiais e vítimas fatais. Possivelmente, tal fenômeno tenha sido agravado pela operação do reservatório da Usina da Brecha localizada no município de Guaraciaba, aproximadamente 40 km à montante da cidade de Ponte Nova.

O Vídeo 2 apresenta as consequências da enchente nas principais áreas afetadas no centro da cidade, após a ocorrência do fenômeno. Ainda, no final desse vídeo, observa-se que o processo de erosão iniciado a montante da Ponte Arthur Bernardes (inaugurada em 15/11/1921 pelo então governador de Minas Gerais, Arthur da Silva Bernardes)  foi uma resposta da natureza em recuperar parte do leito natural do  rio Piranga "roubado" por ocasião da construção da referida ponte (alteração na curvatura do leito fluvial ou seja, a curva ficou mais acentuada para se encaixar na cabeceira da ponte).

Vale ressaltar que as maiores enchentes registradas em Ponte Nova (estações/códigos: 56110000 e 56110005 - com início de operação  em 1936)  foram as que ocorreram em 1951 e 1979 com  vazões máximas de 1.580 m3/s e 1.400m3/s, respectivamente. Em 2008, segundo informações da Defesa Civil de Ponte Nova, a vazão de enchente  foi da ordem de 1.050 m3/s.


Vídeo 1 - Registro no dia da enchente em Ponte Nova em 18/12/2008.
Fonte: YouTube, 2008
Vídeo 2 - Registro após a enchente em 21/12/2008.
Fonte: YouTube, 2008

Figura 17 - Vista superior da Ponte Artur Bernardes (acesso BH - Ponte Nova). Simulação do trajeto natural do leito do rio Piranga e do ajustamento na curvatura do leito fluvial (curva mais acentuada) para se encaixar na cabeceira da ponte (data: antes da ocorrencia da enchente). Figura 18 - Processo de erosão iniciado à montante da Ponte Artur Bernardes.
Figura 17 - Ponte Artur Bernardes (acesso Ponte Nova - BH): (A) Simulação do trajeto natural do leito do rio Piranga e do ajustamento na curvatura do leito fluvial (curva mais acentuada) para se encaixar na cabeceira da ponte; e (B) Processo de erosão iniciado a montante da Ponte Artur Bernardes, no dia da ocorrência da enchente.

Figura 19 - Continuação do processo erosivo: (A) Confluência da Ponte Artur Bernardes com a Rua Artur Bernardes (margem direita do rio Piranga); e (B) Rua Artur Bernardes à jusante da Ponte Artur Bernardes. Figura 19 - Continuação do processo erosivo: (A) Confluência da Ponte Artur Bernardes com a Rua Artur Bernardes (margem direita do rio Piranga); e (B) Rua Artur Bernardes à jusante da Ponte Artur Bernardes.
Figura 18 - Continuação do processo erosivo: (C) Confluência da Ponte Artur Bernardes com a Rua Artur Bernardes (margem direita do rio Piranga); e (D) Rua Artur Bernardes a jusante da Ponte Artur Bernardes.

Considerações finais

Nas últimas décadas, três grandes enchentes provocaram prejuízos incalculáveis a diversos municípios da bacia do rio Doce. A maior delas foi a de 1979, que teve repercussão em todo o país e até no exterior. Seis anos depois, em 1985, o rio Doce voltou a sair do seu leito, causando os mesmos males, ainda que em menores proporções. Depois disso, em 1997, transbordou de novo causando muitos prejuízos e os mesmos transtornos das cheias anteriores. Infelizmente, poucas ações foram realizadas até hoje para impedir que tais tragédias aconteçam novamente. O quadro geral da região ainda é o mesmo: desmatamento, erosões, assoreamentos dos leitos dos cursos d'água, etc...

Bibliografia

CBH-Rio Doce – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Disponível em: <http://www.riodoce.cbh.gov.br >. Acesso em: 01 out. 2008.

COUTINHO, P. et al. A utilização de SIG para simulação espacial de descargas sólidas em suspensão nos principais rios brasileiros a partir da base de dados da Aneel. X Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Foz do Iguaçu, PR, 2001.

ESCELSA - Espírito Santo Centrais Elétricas SA. Disponível em: <http://www.escelsa.com.br/aescelsa/usinas.asp >. Acesso em: 03 out. 2008.

IBio – Instituto Bioatlântica. Disponível em: <http://www.bioatlantica.org.br >. Acesso em: 02 out. 2008.



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Fonte: EUCLYDES et al. (2009c)